Por Magali Cabral

Muita gente já entendeu que, para evitar um cenário de imprevisibilidade e agravamento de eventos climáticos extremos, é preciso frear o aquecimento global antes que a temperatura média do planeta suba até 2 graus em relação aos níveis pré-industriais.

Já se sabe também que, desde a Revolução Industrial (séculos XVIII-XIX) a humanidade tinha “em caixa” um orçamento de emissões de carbono de cerca de 3 trilhões de toneladas de CO2 equivalente para serem “gastos” ao longo de dois séculos, até 2100. Mas, do início do século XIX até hoje, dois terços já foram parar na atmosfera e sobrou um “saldo” de 1 trilhão de toneladas de CO2 que ainda pode ser emitido, só que de maneira fracionada até o fim do século (saiba mais no Slide Falado).

Esse restante seria mais do que suficiente não fôssemos tão “perdulários”. Acontece que a nossa emissão anual global em emissões está em torno de 54 bilhões de toneladas. Uma simples operação matemática mostra que, se a economia continuar no business as usual, esse orçamento se esgotará em 20 anos.

Se isso acontecer, até o fim do século a temperatura vai disparar e uma das piores consequências será a imprevisibilidade climática. A única saída agora é incentivar a redução das emissões e, para garantir que o mundo todo se envolva minimamente com a gestão do carbono, alguns atores precisam ficar em cena.

Há pelo menos dois papéis principais que fazem essa “amarração” planetária. Um é o do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). No ano passado, não menos que 188 países depositaram na convenção em Paris suas intenções voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), baseadas em dados fornecidos pelos milhares de cientistas de todo o mundo que contribuem com o IPCC. O IPCC é quem diz se estamos bem ou mal na foto.

Outro protagonista é a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Esse organismo dá o norte para que todos atuem dentro de uma mesma estratégia global, em um ritmo mais ou menos sintonizado. Seu papel é ser o espaço de articulação global para discutir, construir e monitorar os acordos climáticos. A Convenção-Quadro, em última instância, é a grande coordenadora mundial das negociações para a gestão das emissões de carbono.

A Conferência das Partes (COP), grande evento que reúne anualmente todos os países-membros da ONU para negociações e formação de consensos climáticos, representa também um papel de peso.

Sem ela, os “figurantes” (países) ficariam desconectados no enredo. “A maioria das decisões das COP, principalmente as que levam a um acordo climático, como o de Kyoto (COP 3, em 1997) e o de Paris (COP 21, no ano passado), são tomadas levando-se em conta os consensos. Cada país tem direito a um voto de peso um. O peso do voto dos EUA é igual ao peso do voto do Haiti”, detalha George Magalhães, coordenador do Programa Brasileiro GHG Protocol e pesquisador do GVces.

Desde a COP 19 de Varsóvia, na Polônia (2013), vem sendo feito o convite às nações para que apresentem suas contribuições voluntárias de redução de emissões. Somente no ano passado em Paris, com recorde de participação, foi possível fazer uma análise do conjunto da Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC, na sigla em inglês).

A conclusão foi a de que, ao somar os compromissos voluntários, ainda estamos numa trajetória de aumento da temperatura média global em 2,7 graus até 2100.

Ou seja, estamos no caminho certo, mas os esforços ainda estão longe de ser suficientes. Principalmente quando se considera a sinalização do Acordo de Paris de que é necessário limitar o aumento de temperatura em 1,5 grau para livrar os países insulares do risco de literalmente sumirem mapa em consequência da provável elevação do nível dos oceanos. “Os países insulares já fincaram bandeira: mesmo 2 graus de aumento na temperatura pode ser muito para eles”, diz Magalhães.

A letra “I” da sigla INDC (Intended Nationally Determined Contribution) indica que as contribuições voluntárias apresentadas pelos países em Paris ainda são apenas uma intenção. Quando o acordo for finalmente ratificado, essa letra “I” vai deixar de existir e o documento passará a ser denominado Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o que deve acontecer em 2020 (e ainda está prevista uma checagem e negociação das INDC em 2018).

As metas de redução apontam para 2025 e 2030. “Por ser global, esse processo é bem cadenciado”, observa Magalhães. “Mas, quando o governo de um país implementa políticas de clima, a gestão tende a ser mais ágil (saiba mais aqui)”. 

COADJUVANTES

Foto Domínio Público
Foto Domínio Público

Antes das COP, são realizadas algumas reuniões preparatórias ao longo do ano para avançar em relação aos termos de decisões anteriores. “Essas preparatórias são como ‘nano’ movimentos que precisam ocorrer para haver avanço entre as COP”, explica o pesquisador.

Em maio passado, representantes dos países reuniram-se em Bonn, na Alemanha, para uma primeira rodada pós Acordo de Paris e também para iniciar a preparação para a COP 22, que acontecerá em novembro deste ano, em Marrakesh, no Marrocos.

A própria INDC é também uma coadjuvante da gestão de emissões. Esse método foi uma solução para agilizar a construção do acordo climático e analisar, de maneira agregada, o conjunto de propostas de redução de emissões que os países estão dispostos a se comprometer, sem que houvesse uma divisão mundial entre o bloco dos desenvolvidos e o dos em desenvolvimento, como no Protocolo de Kyoto. Os países têm momentum de desenvolvimento diferentes. Não se pode exigir de uma nação em desenvolvimento o mesmo nível de ambição na gestão de emissões que a de um país desenvolvido. Com isso, cunhou-se o conceito de responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Segundo Magalhães, essa foi uma retórica muito usada pelo Brasil nos últimos tempos. E, para ele, de fato, atribuir responsabilidades iguais para todos pode ser muito perverso ou injusto. “Todo o mundo tem de ter responsabilidade na tarefa de prevenir a mudança do clima, mas é preciso olhar para o nível de desenvolvimento de cada país e ser mais ou menos exigente quanto a isso.”

E foi justamente o que aconteceu em Paris. Pela primeira vez na História houve um movimento propositivo de perguntar qual o potencial de compromisso de cada país, para depois reuni-los em uma mesa de negociação e discutir um eventual aumento das ambições. “Nas negociações que virão, aí sim, é possível ser mais ou menos criterioso de acordo com cada momentum de desenvolvimento”, explica Magalhães.

Vários observatórios também fazem parte desse grande elenco internacional. São órgãos de visão mais qualificada que promovem ações para limitar o aquecimento global, como acompanhar as boas práticas dos países e procurar garantir que todos estejam indo pelo melhor caminho: a organização americana Environmental Defense Fund (EDF) apoia diversas inciativas de proteção ao clima; o World Resources Institute (WRI) criou o Climate Data Explorer (Cait), um sistema que compila desde dados de emissão de GEE até as INDC submetidas à UNFCCC; e o Climate Action Network (CAN), que reúne cerca de 1.100 organizações não governamentais em mais de 120 países.

Há um papel destinado ainda às organizações internacionais da sociedade civil, como WWF, Greenpeace, Conservação Internacional, entre outras. São entidades não governamentais que permanentemente pressionam os governos para que os acordos sejam o mais ambiciosos que puderem. “A sociedade civil age em conferências para não deixar que pontos importantes passem despercebidos, tensionando para haver mais ambição e fazendo contraponto aos países que não apresentam compromissos coerentes”, afirma George Magalhães.

PERSONAGEM INEXISTENTE

Uma das fragilidades de um acordo sobre clima é a inexistência de uma sanção para os não cumpridores de metas. Falta um mecanismo que assegure o cumprimento do acordo ratificado. O Canadá e o Japão, por exemplo, terminaram o primeiro período do Protocolo de Kyoto e decidiram abandonar o “barco” e não mais participar da segunda fase, entre 2013 a 2020. Ficou por isso mesmo.

Segundo Magalhães, na COP 21 chegou-se a discutir a possibilidade de construção de um acordo juridicamente vinculante. Isto é, ao ratificar o Acordo de Paris internamente, o compromisso estaria vinculado às leis do país e não poderia ser descumprido.

Outro recurso seria criar um dispositivo de controle. Por exemplo, adotar internacionalmente um mecanismo  de sanções financeiras, de embargos ou de outra natureza. Porém ainda não há consenso sobre a forma e a intensidade desse instrumento.

O tema das sanções segue na fase de ensaios. Espera-se que logo se torne mais um personagem dessa história cujo final em breve será escrito.