Por Bruno Toledo

Ao mesmo tempo em que contribuem para restaurar os ecossistemas e conservar recursos naturais, as Soluções baseadas na Natureza (SbN) podem proporcionar bem-estar, gerando benefícios econômicos e sociais às pessoas envolvidas.

Aos que dependem da natureza para sua subsistência, soluções como essas podem ser a grande oportunidade para aumentar a renda e conquistar mais qualidade de vida, sem que isso signifique esgotar os estoques e os fluxos naturais.

Esse é um ponto sensível em atividades econômicas importantes no Brasil, como a piscicultura. Um problema frequente do setor é a pesca excessiva, que pressiona os estoques naturais de peixe, podendo levar à extinção de espécies. Para evitar riscos, a pesca é proibida durante a piracema, a temporada de reprodução dos peixes, de maneira a garantir a renovação natural de seus estoques.

O período de piracema, no entanto, traz enorme custo econômico para os pescadores, já que estão impedidos de realizar sua atividade econômica tradicional. Iniciativas como o seguro-defeso, que garante uma renda mínima aos pescadores nesse período, aliviam um pouco as dificuldades, mas ainda são limitadas em escopo e sofrem com problemas de transparência e corrupção.

Na maioria dos casos, os pescadores sem acesso a auxílios externos como o seguro-defeso acabam complementando sua renda durante a piracema com outras atividades econômicas. Na Amazônia, muitas vezes, essa atividade é a pecuária – podendo resultar na intensificação do desmatamento.

Piscicultura contra o desmatamento

Nos últimos anos, a retomada do ritmo de destruição da Floresta Amazônica no Brasil esteve relacionada diretamente com o aumento do desmate de pequeno porte – ou seja, realizado em pequenos trechos da floresta.

“O desmatamento em pequenos trechos está ligado a assentamentos e a pequenas propriedades rurais”, explica Yago Cavalcante, da gestora de fundos Kaeté Investimentos. “Este tipo de desmatamento, que chamamos de ‘espinha de peixe’, é muito mais difícil de ser controlado pelas ferramentas tradicionais.”

Nas pequenas propriedades rurais na região do Acre, o desmate de floresta deu-se por conta das restrições às atividades pesqueiras (decorrentes tanto de proibições governamentais quanto da indisponibilidade de peixes), que forçaram os pescadores a derrubar a mata para realizar pecuária extensiva.

As necessidades econômicas e a degradação da floresta resultante delas motivaram a estruturação do modelo de negócio da Peixes da Amazônia, um dos casos de SbN selecionados para esta edição de P22_ON. Criada em 2011, esta empresa social tem como objetivo apoiar a piscicultura sustentável na região, permitindo aos pescadores locais uma geração de renda mais alta em troca da conservação da floresta nativa em suas propriedades.

“A Peixes da Amazônia concilia impacto social, geração de renda para pequenos produtores, e externalidades ambientais positivas, como a contenção do desmatamento e a possibilidade de restauração de áreas degradadas”, explica Cavalcante. Desde 2014, a Kaeté é uma das principais investidoras da Peixes da Amazônia e apoia a gestão e o fortalecimento do modelo de negócio.

Atualmente, a Peixes da Amazônia tem capacidade produtiva anual de 20 mil toneladas de peixes, 40 mil toneladas de ração animal, e 10 milhões de alevinos. A criação de alevinos, a produção de ração e o frigorífico para processamento da carne dos peixes ficam sob responsabilidade da empresa. Já o processo de engorda é realizado pelos piscicultores.

Os produtores integrados à cadeia recebem os alevinos e a ração para engorda dos peixes, além da assistência técnica para apoiar o processo produtivo. Uma vez engordados, os peixes são revendidos ao frigorífico.

Nas visitas de assistência, técnicos da Peixes da Amazônia aproveitam para acompanhar a situação da área florestal em cada propriedade, para verificar se os produtores estão cumprindo com sua responsabilidade de conservar a mata nativa e, se possível, restaurar áreas degradadas.

Além da Kaeté, a Agência de Negócios do Estado do Acre e empresários locais também têm participação societária na Peixes da Amazônia. Porém, a grande inovação do modelo de negócio está na estruturação de uma parceria público-privada-comunitária – ou seja, que agrega a comunidade local à gestão da organização. Assim, os piscicultores, organizados em uma cooperativa, também são incentivados a empreender e a participar da gestão e do desenvolvimento da empresa, sendo mais bem remunerados.

Hoje, a Peixes da Amazônia reúne 500 produtores no Acre, com uma área florestal protegida que totaliza 55 mil hectares. A meta é quintuplicar o número de piscicultores integrados nos próximos cinco anos.

Os resultados econômicos para os produtores locais são relevantes. Sua renda média antes da integração à cadeia da Peixes da Amazônia girava em torno de R$ 980, obtida principalmente de atividades agropecuárias. Após a integração, apenas a piscicultura rende a esses produtores R$ 1,8 mil em média, com uma atividade de menor impacto ambiental.

O modelo de negócio procura enfrentar dois desafios importantes no contexto amazônico: o desmatamento e a falta de oportunidades socioeconômicas em uma região historicamente carente. “A Peixes da Amazônia procura gerar valor a partir do produto nativo, direcionando renda para a própria região, reduzindo, assim, os incentivos para que os pequenos proprietários rurais desmatem a floresta”, explica Cavalcante.

Cultivo integrado de algas

Maricultura integrada de alga/ Divulgação
Maricultura integrada de alga/ Divulgação

As dificuldades enfrentadas pela pesca tradicional não se limitam à Amazônia. Em todas as bacias e ao longo a costa, a atividade pesqueira tem se deparado com problemas que ameaçam diretamente a subsistência de milhares de famílias e reduzem a oferta de produtos do mar.

Para suprir a demanda e atender as necessidades dos trabalhadores, a aquicultura ­– cultivo de organismos aquáticos em um espaço geralmente controlado e confinado – vem ganhando espaço nos últimos anos, inclusive no litoral (maricultura).

Assim, além de peixes, os aquicultores ou maricultores conseguem criar outros animais, como mexilhões e ostras. No entanto, o aumento desse tipo de atividade pode gerar acúmulo de nutrientes prejudiciais nos corpos d’água, levando à sua eutrofização, processo que favorece o desenvolvimento de patógenos e pode causar a morte de animais e plantas.

Um caminho para reduzir o impacto ambiental da maricultura começou a ser aberto nos laboratórios do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). O projeto de Maricultura Integrada de Algas: serviços ecoeficientes e socioeconomicamente sustentáveis, uma das SbN selecionadas na chamada de casos, procura trazer aos maricultores do Litoral Norte de São Paulo a tecnologia e o conhecimento necessários para produzir algas gracilarioides (algicultura).

Quando criadas de maneira integrada a peixes e mexilhões, essas algas conseguem manter um ecossistema equilibrado, sem a contaminação da água por detritos.O objetivo é aumentar a produtividade da área de cultivo, diversificar a produção e melhorar a renda das comunidades costeiras à medida que diminui os impactos ambientais da produção maricultora.

Baseada na Aquicultura Multitrófica Integrada Marinha (Amtim), a premissa do projeto está na capacidade das algas de reaproveitar os detritos da produção de peixes e mexilhões, reduzindo o nível de acidez dos corpos d’água, além de diversificar a produção dos maricultores, já que as gracilarioides estão entre as espécies de algas mais cultivadas e consumidas no mundo.

Em vez de cultivar uma única espécie, a Amtim tenta imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido, como resíduos, nutrientes e subprodutos, possam ser reaproveitados e convertidos em nutrientes, alimentos e energia para outras culturas.

“Nossa ideia é ajudar os maricultores a desenvolver métodos de produção ecoeficientes, que permitam uma atividade produtiva com benefícios econômicos e sociais, que mitigue os impactos ambientais da eutrofização, além do sequestro de carbono pela fotossíntese das algas”, explica Fanly Fungyi Chow Ho, professora do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do projeto. “Essa estratégia de aquicultura baseia-se na produção aquática sob os conceitos da reciclagem e reutilização”, explica.

Tal projeto é hoje aplicado juntamente com um maricultor parceiro na cidade de Ubatuba (SP). Além da capacitação técnica para a algicultura, a iniciativa também busca realizar o monitoramento ambiental na região, de maneira a estimar o impacto do cultivo de algas no entorno. Isso facilitará o diagnóstico sobre a atividade no Litoral Norte paulista e sobre possíveis efeitos da sua intensificação.

Para a maricultura no Brasil, o projeto sinaliza um caminho para reduzir o impacto ambiental de sua atividade, diversificando sua produção e garantindo aumento de qualidade, produtividade e renda. “Até mesmo em razão da sazonalidade, as algas poderão servir como fonte de renda quando a produção de mexilhões ou peixes estiver reduzida, permitindo ao maricultor manter sua produtividade, ao mesmo tempo que os impactos ambientais da sua operação são mitigados”, aponta a professora.

O projeto ainda está em fase de implementação. Os primeiros testes em laboratório com as algas gracilarioides foram realizados em 2016. Nos últimos meses, os pesquisadores da USP iniciaram testes em campo, levando as algas para um cultivo comercial de mexilhões em Ubatuba. Os primeiros resultados do teste no mar devem ser processados até o fim deste ano.

“A pesquisa científica não deve ficar limitada aos laboratórios e às salas de aula. A ideia, com esse projeto, é exatamente levar nosso conhecimento e a tecnologia para as pessoas lá fora, para ajudá-las a enfrentar seus problemas e ter impacto sobre a sociedade e sobre o meio ambiente”, conclui Chow Ho.

Raio X das propostas

Proposta: “Peixes da Amazônia”

Proponente: Yago Oliveira Cavalcante – Peixes da Amazônia

Setor: Privado

Local: São Paulo, SP

Problema: Nos últimos anos, a retomada do ritmo de destruição da Floresta Amazônica no Brasil esteve relacionada diretamente com o aumento do desmate em pequenos trechos da floresta – ligado a assentamentos e a pequenas propriedades rurais e muito mais difícil de ser controlado pelas ferramentas tradicionais. Na região do Acre, o desmate de floresta deu-se por conta das restrições às atividades pesqueiras (decorrentes tanto de proibições governamentais quanto da indisponibilidade de peixes), que forçaram os pescadores a derrubar a mata para realizar pecuária extensiva.

Solução: A Peixes da Amazônia permite aos pescadores locais obter uma geração de renda mais alta em troca da conservação da floresta nativa em suas propriedades. A gestora de fundos Kaeté Investimentos, a Agência de Negócios do Estado do Acre e empresários locais também têm participação societária na empresa. Por meio de uma parceria público-privada-comunitária, os piscicultores, organizados em cooperativa, são incentivados a empreender e a participar da gestão e do desenvolvimento da empresa, sendo mais bem remunerados.

Proposta: “Maricultura Integrada de Algas: serviços ecoeficientes e socioeconomicamente sustentáveis”

Proponente: Fanly Fungyi Chow Ho – Instituto de Biociências da USP

Setor: Universidade

Local: São Paulo, SP

Problema: A aquicultura ­– cultivo de organismos aquáticos em um espaço geralmente controlado e confinado – vem ganhando importância nos últimos anos, inclusive no litoral (maricultura). Assim, além de peixes, os aquicultores ou maricultores conseguem criar outros animais, como mexilhões e ostras. No entanto, o aumento desse tipo de atividade pode gerar acúmulo de nutrientes prejudiciais nos corpos d’água, levando à sua eutrofização, processo que favorece o desenvolvimento de patógenos e pode causar a morte de animais e plantas.

Solução: O projeto procura trazer aos maricultores do Litoral Norte de São Paulo a tecnologia e o conhecimento necessários para produzir algas gracilarioides (algicultura). Quando criadas de maneira integrada a peixes e mexilhões, essas algas conseguem manter um ecossistema equilibrado da água. O projeto vale-se da capacidade das algas de reaproveitar os detritos da produção de peixes e mexilhões, reduzindo o nível de acidez dos corpos d’água, além de diversificar a produção dos maricultores. Em vez de cultivar uma única espécie, busca-se imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido, como resíduos, nutrientes e subprodutos, possam ser reaproveitados e convertidos em nutrientes, alimentos e energia para outras culturas.