Por Magali Cabral

O montante de dinheiro disponível em fundos especificamente criados para lidar com problemas decorrentes da mudança climática talvez não seja suficiente para fazer a adaptação avançar. No entanto, uma vez que o investimento para minimizar riscos climáticos não precisa necessariamente trazer a etiqueta da adaptação para servir a esta finalidade, pode ser que esse problema se resolva apenas por meio de uma integração de agendas.

Ou seja, as áreas de saúde, saneamento básico, infraestrutura, agricultura, entre outras, precisam incluir a mudança climática em seus planos orçamentários e, com isso, priorizar recursos ou buscar dinheiro novo para adaptação climática.

O mesmo vale para as empresas. “É essencial incorporar os riscos climáticos aos processos de planejamento dos diversos setores, procurando estabelecer dotações orçamentárias para as medidas de adaptação, seja por fontes de financiamento domésticas, seja por internacionais”, sugere o estudo Recomendações para uma Estratégia Nacional em Adaptação (link), produzido pelo FGVces.

Segundo Alexandre Gross, pesquisador do programa Política e Economia Ambiental do FGVces, não há a necessidade de os recursos destinados à adaptação serem etiquetados, até porque nessa área é grande a possibilidade de um determinado planejamento estar errado. Afinal, a adaptação pressupõe impactos associados a perigos que não necessariamente acontecerão como o previsto. Muito mais importante que recursos específicos para corrigir eventuais ações que podem nem ocorrer é endereçá-los à produção e disseminação de conhecimento do problema. “Este, sim, deve vir com a etiqueta pura de adaptação, afirma Gross. “Hoje, a principal ferramenta para se fazer adaptação é a boa informação.”

É justamente essa produção de conhecimento que vai contagiar aquelas agendas mainstream (recursos hídricos, agricultura, mobilidade urbana, saúde etc.), para que incorporem a produção de conhecimento e busquem ou remanejem recursos para continuar tocando suas agendas com um novo problema. Essa é uma configuração comum em vários países.

Em resumo, são dois os recortes dos recursos financeiros para adaptação: um serve para tratar de entender um problema novo; outro, para abastecer as agendas de sempre do desenvolvimento. No caso de recursos hídricos e da saúde isso está bem evidente. Por exemplo, em cenários mais pessimistas imagina-se que, daqui a 40 anos, o sistema de saúde poderá demandar mais dinheiro para controlar doenças transmitidas por vetores (dengue, malária, doenças de chagas, leishmaniose, febre amarela) relacionados, assim como seus hospedeiros, à dinâmica ambiental dos ecossistemas (temperatura, precipitação, umidade, padrões de uso e cobertura do solo).

“Na minha opinião, a adaptação não avança com mais velocidade justamente porque a gente fica querendo classificar a ação com a etiqueta de mudança climática, quando de fato ela tem de estar embutida nas agendas de desenvolvimento”, afirma Gross.

Um exemplo: imagine que o governo tenha um plano de investir no fomento de produção de café. Caso incorpore a mudança climática à pasta da agricultura, o governo saberá, por meio da produção e da disseminação de conhecimento para adaptação, que no futuro não será possível plantar tanto café no Brasil porque o clima não permitirá. Ao tomar a decisão de investir esses recursos de fomento em outras lavouras mais propícias ao cenário climático futuro, o governo está praticando adaptação e usando recurso próprio da pasta da agricultura. Nada impede que haja um recurso específico para a adaptação, por exemplo, no Programa Fundo Clima, para pesquisa de novas variedades de café mais resistentes a temperaturas mais altas.

Em um de seus estudos sobre o tema, o FGVces mostra que, das quatro grandes ações estratégicas de adaptação endereçadas ao poder público, três delas não necessitam de grandes investimentos financeiros. São elas: ações em relação às instituições; à produção e disseminação da informação; e em relação às normas, regulamentações e políticas vigentes. Apenas a última ação, que diz respeito aos investimentos públicos, requer uma dotação orçamentária.

“É possível fazer muita coisa sem precisar de investimento pesado”, explica Gross. “Nossa pesquisa mostra que apenas uma estratégia exige dinheiro novo para colocar numa agenda específica de adaptação.” A primeira e a terceira ação (em relação às instituições e em relação à normatização), mais que qualquer outra coisa, exigem debates para se fortalecerem. A segunda ação, de produção e disseminação de conhecimento, pede um capital específico pouco vultoso, que pode provir de iniciativas como a do Fundo Clima. As grandes instituições de pesquisa, que estudam a adaptação à mudança climática, já tem essas verbas próprias – caso, por exemplo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Foto Oliver Degabriele
Foto Oliver Degabriele

Programas, fundos e pessoas

As recomendações do FGVces mostram que os investimentos mais pesados estão mesmo dentro das agendas mainstream. O Plano Plurianual (PPA), do período de 2012 a 2015, contemplou medidas de adaptação em vários de seus programas temáticos. Um desses é específico para mudança climática, enquanto outro é voltado para a gestão de riscos e resposta a desastres. E há ainda mais 21 programas que possuem ações com caráter de adaptação em diferentes temas (agricultura familiar, conservação e gestão de recursos hídricos, mobilidade urbana, entre outros).

Além do Fundo Clima, outro importante instrumento utilizado para financiar projetos, estudos e empreendimentos para a adaptação (e mitigação) é o Fundo Amazônia, cujos objetivos de conservação e uso sustentável de florestas e da biodiversidade estão alinhados com os programas temáticos do Plano Nacional de Adaptação (PNA). A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é outro desses instrumentos, só que voltado apenas para ações locais. No âmbito privado, o estudo ressalta que o setor de seguros desempenha papel central no fortalecimento da capacidade de resposta de sistemas afetados.

Não se pode esquecer da capacitação de recursos humanos. E, novamente, para isso é preciso, muito mais do que do dinheiro, da produção e disseminação de informação. “Quando falamos em informação, isso tem a ver com as instituições e as instituições são feitas de pessoas”, explica Gross. O processo de engajamento e awareness, ou aumento de consciência da temática, é o primeiro grande passo da adaptação. “Entender o problema antes de sair tomando decisão”, insiste ele. “E, para entendermos o problema, linhas de financiamento já estão previstas no PPA”.