Por Amália Safatle

Imagine uma obra-prima continuamente aperfeiçoada durante milhões e milhões de anos. Só poderia mesmo esculpir as mais belas formas com as mais incríveis cores e combinar tudo isso à mais avançada das tecnologias – desenvolvida por meio da competição e da colaboração entre as espécies ao longo de uma imensa escala de tempo.

A vida na Terra, por tudo que é e representa, mereceria por si só o que chamamos de “direito de existência”. Possui um valor intrínseco. Há quem veja nela o sagrado, há quem veja um valor incomensurável e há quem veja um enorme valor.

Ainda assim, a forma como a sociedade humana se organiza economicamente tem causado impactos profundos na sustentação dessa teia de vida, alguns até irremediáveis. No meio desse colapso que se desenha, as atividades produtivas e o próprio bem estar humano são atingidos em cheio.

Para se ter ideia, hoje, a atividade produtiva gera externalidades negativas de US$ 7,3 trilhões – perdas que equivalem a 13% do PIB mundial em 2009. O uso da água é responsável por gerar a segunda maior externalidade ambiental, com custos estimados em US$ 1,9 trilhão. As informações são do estudo Natural Capital at Risk: Top 100 Externalities of Business, divulgado pela consultoria Trucost em 2013.

Mas nem todo mundo lembra que, para lidar com esses problemas, podemos contar com os serviços que a própria natureza oferece. Os serviços que têm sido fortemente impactados pela ação humana são os mesmos que podem nos ajudar a lidar com a crise.

Nessa “mudança de chave” também a lógica econômica pode ser revertida para a conservação. Quando se reconhece nos serviços ecossistêmicos a possibilidade de gerar ganhos econômicos e sociais que serão revertidos em bem-estar humano, a economia e a ecologia passam falar a mesma língua e a partilhar da mesma raiz – o prefixo “eco”, que vem da palavra grega oikos, casa.

Com economia e ecologia habitando o mesmo lar, a importância de conservar o capital natural passa a ficar mais clara para o mainstream. Investir em políticas de conservação começa a fazer sentido econômico e entra na gestão dos negócios e nas contas nacionais. Ao fazer sentido, os recursos passam a ser aplicados para que os ecossistemas se tornem mais resilientes.

Ficando mais resilientes, contribuem para uma gestão econômica mais efetiva (e também mais resiliente), ao reduzir riscos da atividade produtiva, ao aumentar oportunidades de negócios e ao atrair o interesse do capital financeiro e de crédito. Tudo isso gera, enfim, um círculo virtuoso.

A natureza presta serviços ecossistêmicos quando melhora e aumenta a oferta de água, que por sua vez vai garantir o abastecimento das cidades, as atividades industriais, a agricultura. Quando oferece elementos de valor cênico, cultural e espiritual. Quando fornece comida, fibras e medicamentos. Quando garante a qualidade do solo, evitando erosões que colocam sob ameaça encostas e habitações e causam assoreamento nos rios. Quando insetos e outros animais promovem a polinização da qual depende boa parte da produção agrícola. Quando regula o clima global.

A natureza a favor

Muitas vezes o homem busca complexas ações de engenharia, ao passo que poderia deixar o ecossistema trabalhar a favor. Em vez de construir diques, por exemplo, poderia manter um manguezal. Em vez de estações de tratamento de água, poderia melhorar a qualidade da água investindo na recuperação da mata ciliar. Foi exatamente o que a cidade de Nova York fez e acabou se tornando um exemplo emblemático.

No fim da década de 1980, quando a qualidade da água nova-iorquina começou a deteriorar por conta da poluição difusa, a solução inicialmente prevista foi construir uma estação de tratamento de água, orçada em até US$ 6 bilhões em infraestrutura, com mais US$ 250 milhões de custos operacionais anuais. O impacto na conta de água do consumidor final seria significativo.

Mas uma alternativa muito mais vantajosa foi encontrada: proteger e restaurar os serviços ecossistêmicos prestados pelas matas ciliares no entorno da cidade. Isso demandou investimentos iniciais de US$ 1,4 bilhão e custos operacionais equivalentes a um oitavo do que seria gasto na planta de tratamento de água anteriormente prevista.

POR ALEXANDRE KUMA
POR ALEXANDRE KUMA

Não bastasse a economia para o Erário e o bolso do consumidor, ainda foram gerados benefícios ambientais e socioeconômicos, como a criação e a recuperação de áreas para recreação e lazer e ações de desenvolvimento rural sustentável.

Na Colômbia, há um exemplo de como a proteção aos ecossistemas pode servir como estratégia de adaptação à mudança climática. O governo colombiano recentemente aumentou a extensão do Parque Nacional Chiribiquete, tornando-o uma das maiores áreas protegidas do planeta, quase equivalente ao território da Bélgica.

O governo colombiano entende as áreas protegidas como uma solução natural não só para mitigar a mudança climática como também para se adaptar a ela. Isso porque os ecossistemas conservados nessas áreas fornecem água, aumentam as reservas de água subterrânea por infiltração, armazenam carbono no solo e na vegetação, protegem contra eventos climáticos extremos, como inundações e secas, podem reduzir a velocidade do vento, atenuar o impacto das marés altas e o aumento do nível do mar. O exemplo colombiano ilustra o que chamamos de Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE). (Leia mais sobre o case da Colômbia aqui)

Nem é preciso ir tão longe. O Rio de Janeiro vivenciou um dos mais notórios exemplos de recuperação de mata para combater o problema da falta d’água – isso já no século XIX, sob o reinado de Dom Pedro II. Com a expansão das fazendas de café sobre o maciço florestal da Tijuca, o abastecimento de água na cidade foi duramente afetado, o que levou o governo a anunciar, em 1844, medidas de restauração florestal por meio da desapropriação de terras e do replantio de mudas de espécies nativas. Bem-sucedida, a ação levou à recuperação dos mananciais e ainda devolveu a bela paisagem que faz da Floresta da Tijuca uma atração turística inigualável, encravada no centro da cidade carioca.

Dimensionando valores

O caso de Nova York exemplifica a importância de calcular os custos e benefícios dos serviços ecossistêmicos para a tomada de decisão. Como uma empresa que depende de água, por exemplo, saberá se vale mais investir em recuperação de florestas na área de manancial do que construir reservatórios, avaliando a necessidade de abastecimento da população a curto, a médio e a longo prazo?

Para o agente econômico (a empresa ou o poder público) escolher a alternativa mais efetiva é preciso recorrer a ferramentas de valoração – e uma série delas tem sido criada mundo afora. Essas metodologias ajudam o aferir o capital natural do qual as empresas e os governos dependem e sobre os quais geram impactos (para saber mais sobre a importância de medir o capital natural, assista ao vídeo abaixo).

Se, por um lado, métodos como estes não faltam, por outro, ainda são complexos, apresentam limitações e não há um consenso da comunidade acadêmica sobre o que é melhor usar e como incluir esses números nos balanços financeiros e nas contas nacionais. Além disso, nem tudo é passível de cálculo: há desafios ainda maiores no tocante a serviços ecossistêmicos culturais, que possuem valores não monetários, que são intangíveis (leia mais aqui ).

“É importante um entendimento sobre métodos de valoração quantitativos e qualitativos e como comunicar os resultados desses cálculos, para uma gestão mais efetiva dos serviços ecossistêmicos”, avalia Natalia Lutti Hummel, gestora da iniciativa Tendências em Serviços Ecossistêmicos (TeSE) do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (FGVces). (saiba mais sobre as ferramentas desenvolvidas pela TeSE aqui).

Para Annelise Vendramini, coordenadora do programa de Sustentabilidade Global do FGVces, a valoração, em vez de partir de uma visão estritamente técnica, precisar abarcar um olhar integrado de diversos stakeholders, envolvendo o setor privado, o mercado financeiro, os governos, a academia, as comunidades etc. “Somente um trabalho conjunto fará com que esse tema avance”, afirma.